domingo, 27 de novembro de 2011

vida de merda

engraçado que eu, que sempre tinha sido um pobre-diabo, agora me via cansado da rotina de táxi-aeroporto-check in-embarque-horas de tédio nos céus. sabe, não consigo dormir quando tô lá em cima e isso não tem relação nenhuma com medo, mas só com o desconforto mesmo. chego a ficar bravo, xingando, internamente, todos, do cara na poltrona ao lado à aeromoça e o piloto, principalmente. daí que quando você pousa é tudo ainda pior. pegar as malas, como um idiota ali esperando na esteira, ir atrás de um táxi que custa o dobro do comum e chegar a qualquer merda de hotel. eu digo qualquer merda porque também odeio hotéis, seja aquele de beira-de-estrada seja o cinco estrelas luxuoso onde ficou aquele cantor famoso quando veio pra cidade. então você preenche todas aquelas fichas na recepção dizendo até o tamanho do seu pau, mas ninguém vai conferir porra nenhuma - nem tua piça e nem sequer o número do rg. aí quando eu subo é que lembro porque odeio hotéis. do luxo ao lixo, é difícil dizer que aquilo é mais que uma cama e uma geladeira pequena, porque, por mais badulaques ou sujeira, é só um aposento frio, paredes que parecem ir se fechando em torno de mim conforme passam os dias e por isso eu sempre prefiro que sejam curtas as viagens, embora assim não dê tempo de conhecer nada, apenas ir, trabalhar, dormir, voltar, adeus paredes brancas.

por isso que sempre peço, com uma voz sem emoção alguma, mas um tanto preocupado, o livro. o que vão achar de mim, penso, enquanto peço à moça da recepção, por favor, o catálogo das acompanhantes. quem traz é sempre um cara, nunca uma mulher. acho que elas têm vergonha e ficam falando mal de mim e de outros que usam tal expediente enquanto desligam o fone e chamam algum rapaz pro serviço sujo. os caras já são mais tranquilos e chegam até dando risada e às vezes até mesmo dicas de bons nomes. dessa vez eu ligo pra uma tal de pâmela - nome de puta, claro, toda pâmela é puta até que se prove o contrário, assim como toda patrícia é bonita e toda ana é jornalista. aí eu ligo, falo que quero companhia por uma hora ou duas e rápido ela aparece, fico sabendo pela recepção dando o toque e me chamando. mando subir. ela chega, bonita, corpão, enfim, puta de luxo, né, não tem como errar. então começo a explicar o que eu quero e ela estranha no começo, mas depois diz que tudo bem, embora ainda com uma cara de quem não tá entendendo direito. uma hora depois ela vai embora e eu fico ali na cama, ainda um pouco sujo de bosta, sem coragem ainda de me mexer. consigo me arrastar pro chuveiro e tomo um longo banho. no outro dia estou novamente no aeroporto-rodovia-casa e dou um beijo e um abraço sem muitas saudades na carla. vou para o quarto e deito na cama, cansado. durmo como uma pedra e acordo somente no dia seguinte, a carla já dormindo do meu lado. tomo mais um longo banho. passam-se quatro dias. levar as crianças na escola, trabalho, novela, umazinha com a patroa, café da manhã em família.

gosto da tranquilidade de estar em casa. sinto como se as coisas estivessem como que em eterno dia de sol de filme, mesmo que esteja chovendo frio ou um tornado pelas ruas. eu te amo, digo pra carla, enquanto nos abraçamos pra dormir sem pressa pra acordar. e eu até começo a estranhar, mas aí acontece o previsível. mais um e-mail no escritório, mais uma viagem. odeio aeroportos. não consigo evitar, mas odeio, juro por deus. puta merda.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

go te jan do

- vou te contar uma coisa mas vou dizer bem baixinho assim meio sussurrando pra ninguém ouvir embora estejamos só eu e você na minha apertada cama de solteiro e embora eu possa dizer que nesse momento parece que só existimos nós no mundo repara só como não tem barulho nenhum lá fora mesmo com o sol começando a entrar pela janela e agora repara que o único som além de nossa respiração e do meu falar vem do banheiro como que água escorrendo e é isso mesmo é a minha pia a minha torneira que está quebrada e não para nunca de vazar e fica esse barulho de rio passando e ninguém pode saber o síndico não pode saber para não me multar e os ambientalistas não por causa do meu disperdício mas a verdade é que tem que ser segredo porque preciso te contar que deixo ela assim aberta de propósito que eu poderia fechar o registro e parar tudo mas eu ignoro e ouço agora do teu lado esse rio correndo pia abaixo devagar devagar e isso tudo é porque eu quero que você entenda que eu às vezes sou assim que eu escorro como que me desmanchando e é por isso que pareço em alguns momentos tão intenso e em outros tão lento e apenas seguindo a gravidade e quando você vê não há nada apenas um filete da água que jorrava quando a torneira estava aberta e você pode tentar fechá-la que alguma coisa vai continuar saindo nem que gota a gota no irremediável caminho rumo ao ralo e é isso que acontece com meu amor que surge rápido qual explodindo uma barragem e logo começa a diminuir feito torneira fechando e no final é um filete e a merda toda é que eu não consigo consertar o vazamento então sigo escondendo o segredo de todos e evitando tomar multas de condomínio e eu já estou me repetindo mas é que é assim cíclico então vamos só ficar quietos de novo e dormir abraçados que eu juro que te amo mesmo que não tenha conserto.