quinta-feira, 13 de outubro de 2011

para ainda acreditar

o dia amanheceu com aquela cara de quem não quer amanhecer e eu levantei da cama com minha preguiça característica e praguejando contra o despertador, que insistia em retornar por mais que eu apertasse o botão por mais e mais cinco minutos. encarei o metrô que, apesar de nova linha e propagandas governamentais, aparece cada dia mais lotado. encarei o ônibus, que no dia cinza parecia fazer parte da atmosfera morta com sua fumaça e barulho. aguentei o chefe, a correria, o horário de almoço no pior restaurante da cidade. parece dramático, mas era só rotina. não chegava nem a ser ruim, só era normal. na volta mais um ônibus lotado e correndo pelas avenidas qual um touro desembestado. e descer para mais um deles, mais um rumo ao centro, rumo a casa, rumo a nada que me esperava, talvez televisão e computador apenas ou um nelson rodrigues que me aguardava na mochila.

desci então do ônibus pronto para mais uma espera naquela que me parecia a avenida com mais ventos no país todo. desci e a vi no ponto de ônibus e foi assim, como pousar os olhos sobre um ser de outro planeta. um casaco verde, um bonito casaco verde sobre os ombros, os cabelos pretos caindo por sobre eles, o rosto pálido, os olhos negros, castanho escuros - que seja - um não-sorriso no rosto, a expressão séria, a blusinha preta e o jeans descompromissado e o olhar à espera ela também de um ônibus - qual seria? - e os all star nos pés e eu juro que aquilo me matava, cada detalhe. peguei o nelson rodrigues para fugir, pois não podia ficar ali encarando-a, sob a pena de passar por tarado ou doente mental. mas, céus, eu de pouco em pouco abandonava as páginas que falavam justamente de amor, do excesso de amor, as crônicas que pareciam me mostrar que ele ainda estava ali. o amor mais exacerbado e mais idiota e gratuito.

passou o 784 e ela subiu.

fiquei olhando primeiro enquanto fazia o sinal, depois como se encaminhava para a porta e subia, indo, indo, lá dentro, passando pela catraca, o ônibus saindo, partindo, para longe, pela avenida mais triste do mundo.

tentei voltar ao livro, mas não conseguia me concentrar.

passou o 383 e eu subi. sentei na primeira cadeira que vi e encostei a cabeça no vidro. dormi como uma criança. dormi com sonhos bons.

era o amor mais idiota, mais repentino, mais inoportuno e mais bonito da minha vida. eu nunca mais ia vê-la. mas não iríamos brigar, não ia haver mágoa, não ia haver más recordações. foi bonito, eu pensei, quando acordei milagrosamente no ponto e comecei a então curta caminhada até em casa. porra. foi bonito.

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