acho que o tempo todo eu só queria isso e não consigo imaginar como em algum momento me pareceu tão comum e bonito tentar misturar todas línguas que eu não falava ao invés de simplesmente poder recitar um poema do drummond ou um soneto de amor do vinícius. antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto.
domingo, 11 de dezembro de 2011
mesmo em face do maior encanto
a gente começou a conversar e era difícil entender. ela falava misturando os idiomas. inglês, português, holandês, e um pouco de japonês com sotaque espanhol. só comecei a conseguir acompanhar o diálogo depois da quinta cerveja. depois de quatro encontros percebi que seria sempre assim. a gente só conseguiria se entender e entrar em sintonia com alguma dose de álcool. e foi um tanto chato ver, na quinta vez em que saímos, que havia uma medida também. estávamos como sempre naquele papo em russo-arcaico-fluente quando percebi que tínhamos passado umas três garrafas da cota que podia-se dizer que ideal. e então subitamente começaram a sair faíscas da cabeça dela e meus olhos ficaram vermelhos como que cheios de ódio e acabamos cada um indo para um lado e só voltamos a nos falar três dias depois, trocando torpedos ésse-eme-ésse de celular em francês com mesuras e pedidos de desculpas polidos e cheios de amor inconteste. os erros gramaticais mostravam que talvez fosse mesmo a cerveja a nos colocar novamente naquela sintonia, mesmo que à distância. no trigésimo quinto dia de amor eu achei que não havia mais amor e ela confirmou o fato via correio. voltei a falar somente português como há tempos não fazia e passei a ouvir os discos de gilberto gil e cantar as músicas do exílio de londres e pensando em como era bom se exilar comprei uma passagem para o japão. foi caro e eu tive que parcelar em três cartões, mas tive certeza do retorno do investimento ao descer e ver as primeiras placas escritas naqueles caracteres que não existem no meu teclado e que eu não entendia nada de nada. quando peguei o voo de volta fiz questão de só falar em tcheco, que eu tinha aprendido com a mariana. quando pisei no aeroporto e vi as informações todas em português e os auto-falantes falando de um jeito que eu entendia eu não conseguia entender. puta merda, eu pensei.
domingo, 27 de novembro de 2011
vida de merda
engraçado que eu, que sempre tinha sido um pobre-diabo, agora me via cansado da rotina de táxi-aeroporto-check in-embarque-horas de tédio nos céus. sabe, não consigo dormir quando tô lá em cima e isso não tem relação nenhuma com medo, mas só com o desconforto mesmo. chego a ficar bravo, xingando, internamente, todos, do cara na poltrona ao lado à aeromoça e o piloto, principalmente. daí que quando você pousa é tudo ainda pior. pegar as malas, como um idiota ali esperando na esteira, ir atrás de um táxi que custa o dobro do comum e chegar a qualquer merda de hotel. eu digo qualquer merda porque também odeio hotéis, seja aquele de beira-de-estrada seja o cinco estrelas luxuoso onde ficou aquele cantor famoso quando veio pra cidade. então você preenche todas aquelas fichas na recepção dizendo até o tamanho do seu pau, mas ninguém vai conferir porra nenhuma - nem tua piça e nem sequer o número do rg. aí quando eu subo é que lembro porque odeio hotéis. do luxo ao lixo, é difícil dizer que aquilo é mais que uma cama e uma geladeira pequena, porque, por mais badulaques ou sujeira, é só um aposento frio, paredes que parecem ir se fechando em torno de mim conforme passam os dias e por isso eu sempre prefiro que sejam curtas as viagens, embora assim não dê tempo de conhecer nada, apenas ir, trabalhar, dormir, voltar, adeus paredes brancas.
por isso que sempre peço, com uma voz sem emoção alguma, mas um tanto preocupado, o livro. o que vão achar de mim, penso, enquanto peço à moça da recepção, por favor, o catálogo das acompanhantes. quem traz é sempre um cara, nunca uma mulher. acho que elas têm vergonha e ficam falando mal de mim e de outros que usam tal expediente enquanto desligam o fone e chamam algum rapaz pro serviço sujo. os caras já são mais tranquilos e chegam até dando risada e às vezes até mesmo dicas de bons nomes. dessa vez eu ligo pra uma tal de pâmela - nome de puta, claro, toda pâmela é puta até que se prove o contrário, assim como toda patrícia é bonita e toda ana é jornalista. aí eu ligo, falo que quero companhia por uma hora ou duas e rápido ela aparece, fico sabendo pela recepção dando o toque e me chamando. mando subir. ela chega, bonita, corpão, enfim, puta de luxo, né, não tem como errar. então começo a explicar o que eu quero e ela estranha no começo, mas depois diz que tudo bem, embora ainda com uma cara de quem não tá entendendo direito. uma hora depois ela vai embora e eu fico ali na cama, ainda um pouco sujo de bosta, sem coragem ainda de me mexer. consigo me arrastar pro chuveiro e tomo um longo banho. no outro dia estou novamente no aeroporto-rodovia-casa e dou um beijo e um abraço sem muitas saudades na carla. vou para o quarto e deito na cama, cansado. durmo como uma pedra e acordo somente no dia seguinte, a carla já dormindo do meu lado. tomo mais um longo banho. passam-se quatro dias. levar as crianças na escola, trabalho, novela, umazinha com a patroa, café da manhã em família.
gosto da tranquilidade de estar em casa. sinto como se as coisas estivessem como que em eterno dia de sol de filme, mesmo que esteja chovendo frio ou um tornado pelas ruas. eu te amo, digo pra carla, enquanto nos abraçamos pra dormir sem pressa pra acordar. e eu até começo a estranhar, mas aí acontece o previsível. mais um e-mail no escritório, mais uma viagem. odeio aeroportos. não consigo evitar, mas odeio, juro por deus. puta merda.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
go te jan do
- vou te contar uma coisa mas vou dizer bem baixinho assim meio sussurrando pra ninguém ouvir embora estejamos só eu e você na minha apertada cama de solteiro e embora eu possa dizer que nesse momento parece que só existimos nós no mundo repara só como não tem barulho nenhum lá fora mesmo com o sol começando a entrar pela janela e agora repara que o único som além de nossa respiração e do meu falar vem do banheiro como que água escorrendo e é isso mesmo é a minha pia a minha torneira que está quebrada e não para nunca de vazar e fica esse barulho de rio passando e ninguém pode saber o síndico não pode saber para não me multar e os ambientalistas não por causa do meu disperdício mas a verdade é que tem que ser segredo porque preciso te contar que deixo ela assim aberta de propósito que eu poderia fechar o registro e parar tudo mas eu ignoro e ouço agora do teu lado esse rio correndo pia abaixo devagar devagar e isso tudo é porque eu quero que você entenda que eu às vezes sou assim que eu escorro como que me desmanchando e é por isso que pareço em alguns momentos tão intenso e em outros tão lento e apenas seguindo a gravidade e quando você vê não há nada apenas um filete da água que jorrava quando a torneira estava aberta e você pode tentar fechá-la que alguma coisa vai continuar saindo nem que gota a gota no irremediável caminho rumo ao ralo e é isso que acontece com meu amor que surge rápido qual explodindo uma barragem e logo começa a diminuir feito torneira fechando e no final é um filete e a merda toda é que eu não consigo consertar o vazamento então sigo escondendo o segredo de todos e evitando tomar multas de condomínio e eu já estou me repetindo mas é que é assim cíclico então vamos só ficar quietos de novo e dormir abraçados que eu juro que te amo mesmo que não tenha conserto.
domingo, 30 de outubro de 2011
do outro lado da ponte
o marquinho ia andando do meu lado, a cabeça baixa, quieto, parecia que sempre perdido, com a mente em outro lugar. mas de vez em quando falava alguma coisa e era sempre a mesma frase. "não compra pó pra minha mãe, a velha não pode cheirar". eu garantia que ninguém faria isso ee ele acalmava um pouco, voltando ao estado normal. era invariavelmente assim quando íamos eu, ele, o sávio e o paco atravessar a ponte para comprar pó. a gente estudava junto e normalmente fazia isso de quinta ou sexta. morávamos todos ali no bairro e tínhamos que passar pela ponte e virar a primeira esquina à esquerda pra, no beco do rato, encontrar o véinho e pegar a parada. eu e o marquinho não cheirávamos. eu tinha chegado a usar alguma vez ou outra, mas nada de mais. o paco gostava muito e o sávio meio que ia na dele. mas estávmaos os quatro sempre juntos e, de um modo ou de outro, não havia muito a se fazer por ali. o engraçado, ou não, é que tinha um guardinha de transito sempre ali, no fim da ponte, e as vezes apareciam uns policias pra falar com ele. eu ficava sempre com medo e até chegava a voltar pra trás e me irritava o modo como o marquinho seguia adiante, indiferente. ele era meio retardado, e é chato dizer isso, mas era, e a gente meio que cuidava dele. mais eu, poarque os caras não tinham muita paciencia. em alguns dias até levava ele em casa. a mãe dele era uma velha gorda e quieta e estava sempre com cara de triste e por vezes chorando. moravamos todos perto e perto da escola e estavamos sempre andando de um lado para o outro, resmungando e falando mal das pessoas e da vida em geral.
nesse dia chegamos na ponte e o paco foi na frente, andando mais rápido, o sávio ao lado. o sávio era de nós o mais velho e o mais burro. tinha até repetido de ano. e lembro que fiquei bravo pela pressa dos dois e mais bravo ainda com o sávio por seguir o paco. porque o paco não iria sozinho. "não compra pó pra minha mãe, jura que não vai comprar", suplicou o marquinho. eu disse que não compraríamos, e comecei a ficar nervoso. vi lá na frente o guardinha de trânsito e achei ter visto alguma luz daquelas de carro de polícia. avisei os caras e o paco disse que se voltássemos ia ficar estranho e disse que se eu quisesse eu podia voltar. então continuamos todos e o marquinho "pó não, pra velha não" e eu andei mais cinco metros e vi que eram mesmo luzes de policia e fiquei nervoso, puta merda, juro que eu só queria sumir e tinha um pressentimento ruim, muito ruim. parei, do nada, e fiquei ali, em pé no meio da ponte. o marquinho olhou pra trás com cara de choro e eu fiquei com raiva. o sávio puxou ele pelo braço e eles foram em frente, foram e passaram bem em frente ao carro da policia e viraram a esquerda e sumiram no beco. eu voltei pra casa com a cabeça pesada.
o paco contou depois que foram pegos já quase no final da ponte, na hora da volta, e ele tava com cinco pinos e o sávio com três. os gambés só queriam dinheiro, mas eles não tinham e então os caras tinham cismado com o marquinho e chamavam ele de "o retardado". e levaram todo mundo pra delegacia e chamaram a mãe dele. "o seu filho cheira, o seu filho é débil mental e ainda entope o cérebro idiota de cocaína", disse o delegado pra velha gorda, que não tinha nem esboçado reação, só continuado com a cara triste de sempre.
na semana seguinte o paco queria atravessar a ponte e eu não quis ir e não deixei levarem o marquinho. foram o sávio e o paco. na segunda-feira o marquinho não apareceu na escola, e nem na terça. na quarta fiquei sabendo pelos jornais. "mãe mata filho e morre em seguida. overdose".
o sávio e o paco primeiro disseram que não sabiam de nada, mas insisti e o paco admitiu que a velha era a merda toda. depois de ficar sabendo, na delegacia, que seu filho e eles iam atrás de pó, tinha ligado pro paco. disse que pagava quinhentos - quinhentos, disse paco, dez onças - por cinco pinos. e aí ele comprou, claro, a gente era tudo fodido de grana. eu não teria comprado, juro por deus, mas o paco era outra história. e o sávio? o sávio era um imbecil.
quando o paco me contou eu só não conseguia pensar em mais nada. isso foi há dois anos. e eu ainda não consigo pensar em mais nada.
domingo, 16 de outubro de 2011
natimorto
- alô?
ele fala com voz de sono. pedro ligou no meio da noite. não sabe que horas são. é um domingo, ou já segunda.
- cara, fiz uma merda. uma puta duma merda.
- cacete. o que foi?
pedro conta. ligou, no meio da madrugada, para uma mulher. bêbado, falou arrastado, mas falou coisas bonitas e falou de amor e chegou até mesmo a soltar um convicto "te amo, desculpe as besteiras nos últimos tempos". falou, a voz meio empastada, acordando ela altas horas da noite. e então desligou o telefone celular e continuou andando, rumo a casa. pra acordar no outro dia como se nada tivesse acontecido. na verdade, quase não lembrava e só o registro da chamada no celular é que confirmava o feito. bêbado, muito bêbado, depois de estar desde o almoço nas cervejas com o pessoal do escritório, da merda do escritório.
- tá, você só fez uma declaração de amor. porra. pra quem?
- pra camila.
- pô. não sabia que você tava gostando dela de verdade.
- eu não tô. por isso que eu disse que fiz uma puta duma cagada.
- deixa eu entender bem. você não quer nada com ela, mas ligou e falou que amava ela. por quê?
- não sei. simplemente não sei. talvez eu tenha chegado a realmente amar. durante aqueles poucos segundos em que veio na minha cabeça ligar pra ela e o rápido diálogo que travamos. e então se foi.
- simples assim. inexplicável assim.
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
para ainda acreditar
o dia amanheceu com aquela cara de quem não quer amanhecer e eu levantei da cama com minha preguiça característica e praguejando contra o despertador, que insistia em retornar por mais que eu apertasse o botão por mais e mais cinco minutos. encarei o metrô que, apesar de nova linha e propagandas governamentais, aparece cada dia mais lotado. encarei o ônibus, que no dia cinza parecia fazer parte da atmosfera morta com sua fumaça e barulho. aguentei o chefe, a correria, o horário de almoço no pior restaurante da cidade. parece dramático, mas era só rotina. não chegava nem a ser ruim, só era normal. na volta mais um ônibus lotado e correndo pelas avenidas qual um touro desembestado. e descer para mais um deles, mais um rumo ao centro, rumo a casa, rumo a nada que me esperava, talvez televisão e computador apenas ou um nelson rodrigues que me aguardava na mochila.
desci então do ônibus pronto para mais uma espera naquela que me parecia a avenida com mais ventos no país todo. desci e a vi no ponto de ônibus e foi assim, como pousar os olhos sobre um ser de outro planeta. um casaco verde, um bonito casaco verde sobre os ombros, os cabelos pretos caindo por sobre eles, o rosto pálido, os olhos negros, castanho escuros - que seja - um não-sorriso no rosto, a expressão séria, a blusinha preta e o jeans descompromissado e o olhar à espera ela também de um ônibus - qual seria? - e os all star nos pés e eu juro que aquilo me matava, cada detalhe. peguei o nelson rodrigues para fugir, pois não podia ficar ali encarando-a, sob a pena de passar por tarado ou doente mental. mas, céus, eu de pouco em pouco abandonava as páginas que falavam justamente de amor, do excesso de amor, as crônicas que pareciam me mostrar que ele ainda estava ali. o amor mais exacerbado e mais idiota e gratuito.
passou o 784 e ela subiu.
fiquei olhando primeiro enquanto fazia o sinal, depois como se encaminhava para a porta e subia, indo, indo, lá dentro, passando pela catraca, o ônibus saindo, partindo, para longe, pela avenida mais triste do mundo.
tentei voltar ao livro, mas não conseguia me concentrar.
passou o 383 e eu subi. sentei na primeira cadeira que vi e encostei a cabeça no vidro. dormi como uma criança. dormi com sonhos bons.
era o amor mais idiota, mais repentino, mais inoportuno e mais bonito da minha vida. eu nunca mais ia vê-la. mas não iríamos brigar, não ia haver mágoa, não ia haver más recordações. foi bonito, eu pensei, quando acordei milagrosamente no ponto e comecei a então curta caminhada até em casa. porra. foi bonito.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
CGH QUIN 22H40
L: as pessoas têm andado todas um pouco sumidas, não parece? o que seria, o ritmo dos novos tempos, a velocidade dos dias, as malfadadas redes sociais?
R: não sei. também tenho percebido.
L: é como se sentir um pouco distante de tudo e todos. mas quem foi viajar foi você, e não eu.
R: tô voltando agora e te juro que sinto tanta saudade quanto medo.
L: medo de quê?
R: não sei o que vou encontrar. não sei se ainda vai ser a mesma coisa. lembra quando você me falou que foi pra santo antônio do cantagalo e sentiu como se não fosse mais parte daquilo tudo?
L: lembro.
R: eu não queria sentir isso. até porque minha volta é temporária. então tenho medo de, quando me for novamente, não ter mais nem sequer a boa lembrança na cabeça. somente o vazio.
L: então. eu estava mentindo.
R: como?
L: sobre a cidade. sabe, tem coisas que não saem da gente nunca. mudam. mas não saem.
R: o que talvez seja pior.
L: é pior. com certeza.
Assinar:
Postagens (Atom)